Turismo: de solução a problema

Turismo: de solução a problema

Portugal na última década, tem sido um dos principais destinos de férias a nível mundial, está na moda. Foi o turismo que permitiu sair da crise da dívida soberana de 2012, a partir daí tem sido o principal motor da economia.

O forte crescimento do turismo não é exclusivo de Portugal, é global. As sociedades estão cada vez mais consumistas, sedentas por experiências e a isto somarmos que o viajar deixou de ser um bem de luxo. Companhias aéreas lowcost como a Ryanair e a EasyJet contribuíram para uma forma de turismo de massa.

Este crescimento do turismo foi o eixo central para a reabilitação dos centros históricos das grandes cidades, que estavam envelhecidos e degradados. Permitiu criar dezenas de milhares de empregos, é atualmente um dos sectores onde existe mais falta de mão-de-obra.

«O turismo foi a origem em Portugal de 19,1% da riqueza produzida no ano passado, de acordo com o relatório do World Travel & Tourism Council (WTTC), que aponta Portugal como o 5º país onde é mais forte a contribuição do turismo para o PIB.
Em valor absoluto da contribuição do turismo para o PIB, Portugal surge em 29º entre os 40 países especificados na informação do WTTC, com 45 mil milhões de dólares, à frente da Grécia, com 44 mil milhões.» – sgeconomia.gov.pt

Mas o peso do turismo na economia começa a ser um problema, o país está demasiado dependente de um único sector económico, é importante uma maior diversificação para uma melhor resiliência a futuras crises.

Este turismo de massas dá um forte contributo nas economias mas possivelmente já passou do ponto de equilíbrio. Permitiu reabilitação dos centros históricos, que estavam muito degradados, mas também houve muitos abusos, muitos casos de moradores locais que foram despejados dos bairros onde sempre viveram. E os moradores locais que restam se começassem a sentir estrangeiros nas suas próprias cidades.

O turismo de massa tornou o custo de vida nas zonas mais turísticas exorbitantes, a subida de preços tornou muito comércios e restaurantes quase “exclusivos” para turistas, onde o comum português não pode consumir e usufruir, devido ao seu baixo poder de compra. No início, o aumento do custo de vida ocorreram mais nos centros históricos, depois alastrou-se para o restante da cidade, agora está pelo país inteiro.

O Airbnb tem contribuído imenso para o crescimento do aumento do turismo, mas também para retirar casas do mercado para os locais, menos oferta logo preços mais elevados. Como gerou muitos empregos e geralmente mal pagos, os países europeus necessitam de mais mão-de-obra estrangeira, mais gente a viver, aumenta mais a pressão na escassez da habitação.

As infraestruturas das cidades estão a ceder sob a pressão, não foram construídas para tantas pessoas. Nas grandes cidades, o trânsito está cada vez mais caótico, a importação de tuk-tuk é uma aberração, as ruas estão muito menos limpas. Os centros históricos estão se transformando num parque de diversão para turistas.

Em 2018, a revista alemã Der Spiegel fez uma reportagem onde alertava o problema, a descaracterização das cidades, mas hoje está bem pior.

“Em Portugal, já há muito que se fala neste fenómeno. Há vários grupos e cidadãos que alertam para o facto de as zonas históricas estarem em risco de descaracterização, de os espaços de restauração ficarem iguais e de os monumentos ficarem tão lotados que não se conseguem visitar.” – Der Spiegel

Isto é uma espiral da morte, este excesso de turismo está a destruir aquilo que eles querem experienciar ou ver. A autenticidade, o castiço que existia em Portugal, foi o que trouxe os turistas, está a ser destruído pelo turismo de massas.

Outras das críticas é a poluição, sobretudo pela aviação. Aqui surge outro problema, será que faz sentido o turismo internacional de fim de semana? Faz sentido fazer dois voos de avião, altamente poluidores, só para passar apenas dois ou três numa capital europeia? Na minha opinião, não faz sentido, pelo menos uma semana para ver a cidade. 2 dias não dá para ver nada, é mais tempo em aeroporto que a usufruir da cidade. Possivelmente é essa ideia, mais que usufruir a cidade, é mostrar ao outro que foi à cidade, o alimentar do instagram e gerar inveja, dizer aos amigos e aos colegas de trabalho que já visitou dezenas de cidades europeias. Isto é um sintoma do consumismo excessivo, de alta preferência temporal.

O aeroporto de Lisboa é outra novela, há muito que a sua capacidade está esgotada, é a pura demonstração da incompetência dos políticos portugueses, não conseguem escolher um local para a construção do novo aeroporto, já houve dezenas de localizações diferentes, a cada novo governo, anula tudo o que anterior fez e volta à fase inicial, estamos nisto há 50 anos. Foram gastos milhões em estudos e comissões e nada saiu do papel.

Outro cúmulo da política portuguesa é o aeroporto de Beja, praticamente não é utilizado:

«O aeroporto de Beja registou, no passado mês de outubro, 1484 passageiros, assinalando, assim, “o melhor mês de 2023”.
No total, a infraestrutura recebeu, nos 11 primeiros meses do ano passado, 4907 passageiros, maioritariamente, de jatos privados.» – diariodoalentejo.pt

«O aeroporto de Lisboa movimentou, em 2023, 49,8% do total de passageiros (33,6 milhões), tendo crescido 19,1% comparando com 2022 e 7,9% face a 2019. Já o aeroporto do Porto movimentou 15,2 milhões de passageiros e Faro 9,64 milhões.» – ECO

De um lado temos um aeroporto lotado que recebe 33 milhões, por outro lado, a apenas 180 km temos um aeroporto internacional praticamente novo, que recebe apenas 5000 passageiros por ano, completamente vazio.

Se cerca de 6% dos turistas têm como destino o Alentejo e a zona centro recebem 12% dos turistas, parte destes turistas deveriam ser canalizados para Beja. Não faz qualquer sentido, com a existência de um aeroporto no Alentejo, os turistas com destino ao Alentejo e zona centro aterrarem todos em Lisboa, quando o de Beja está mais perto.

Com os incentivos certos, 10% poderiam aterrar em Beja, só que o governo não faz nada, é o problema da centralização. Quando não existe vontade política, nada muda.

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Mas o ponto de equilíbrio já há muito tempo que foi ultrapassado, no estrangeiro já é comum os protestos dos locais contra o excesso de turismo, em Portugal estão a surgir os primeiros movimentos.

«A wave of protest against the negative impact of mass tourism is sweeping over Spain’s most popular holiday hotspots.
‘Go home!’, cries out a man in swimming togs, frantically waving at a group of bewildered tourists trying to access the Caló des Moro, one of Majorca’s most famous and picturesque beaches. He is one of the dozens of residents who had come early that Sunday to occupy the site, in protest againsst the ‘massification’ of tourism, which they say has “devastating effects” on their island, and their lives.
‘We have cruises [cruise ships] every day with thousands of people. We have a flight every minute! It’s cars, it’s pollution. Beaches, restaurants are full of the streets are full of people! We’re fed up!’ exclaims Joana Maria Estrany Vallespir, from “SOS Residents”, a protest collective.
‘TOURISM IS KILLING US’» – EuroNews

Os protestos estão a surgir nos principais centros turísticos em todo o mundo, especialmente nas principais capitais europeias.

Dependência

Portugal está com um problema melindroso e complexo, é verdade que o excesso de turismo está a criar problemas, mas uma possível redução do turismo vai gerar ainda mais problemas. O país está demasiado dependente do turismo, sem ele, a crise será muito severa, será dramática. 

O turismo é uma indústria orgânica, cresce sozinha, é descentralizada, não necessita de grande ajudas do estado, por isso cresce.

Os políticos passam o tempo a elogiar o crescimento económico (medíocre) do país, mas só acontece devido ao turismo. O restante da economia está estagnado, o centralismo político contenta-se com pouco, nada faz para incentivar/ajudar o crescimento de outras áreas. As ajudas não são necessariamente em dinheiro, basta menos burocracia e menos impostos e boas vias de comunicação. Portugal tem urgentemente reduzir a dependência do turismo, senão vai ter graves problemas.

É claro que o turismo é sector importante na economia, mas não pode ser o principal. E algo que temos que questionar, é se queremos o turismo de massas. Na minha opinião seria melhor para o país, em primeiro deslocalização do turismo por todo o país, para não ficar concentrado em poucos pontos. Também necessitamos reformular o turismo, para um turista com um poder de compra mais elevado, deixar de ser uma indústria de turismo low cost e de baixos salários. 

Número de trabalhadores e remuneração bruta por trabalhador, 2014-2023:
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Fonte: INE

Especificamente nas atividades de Alojamento (CAE 55), a remuneração bruta mensal por trabalhador situou-se em 1 249 euros em 2023. O salário médio de um trabalhador do sector do turismo é sempre menor que o salário médio nacional, ou seja, uma economia baseada em salários baixos. 

Faz mais sentido apostar nos turistas com médio/alto poder de compra, alongamentos e serviços de melhor qualidade, funcionários mais qualificados e claro mais bem pagos.

É lógico que existirá menos turistas, mas gastam mais dinheiro, os centros históricos são menos caóticos, gerando uma melhor harmonia entre turistas e locais.

Habitação

Como disse em cima, o turismo não é o principal responsável, mas tem certa responsabilidade no problema habitacional na maioria dos países. 

O principal problema tem origem na expansão monetária, levando as pessoas a comprar casas como uma reserva de valor, como uma proteção ou investimento. Como a procura aumentou e a oferta não acompanhou esse aumento, nos últimos anos foram construídas habitações suficientes. Essa enorme escassez levou a uma forte valorização das habitações, ficando inacessível aos jovens.

Agora é impossível resolver o problema rapidamente, vai demorar muitos anos, é necessário uma enorme planificação, é necessário construir muito e para complicar não existe mão-de-obra. Aqui está outro problema, os políticos portugueses não sabem planear a longo prazo. Alguns governos já estão a avançar com projectos de construção de habitação, mas só provocará efeitos a médio/longo prazo. Isto não é um problema exclusivo de Portugal, é um problema no mundo ocidental.

«O aumento constante dos preços e rendas das casas agravaram a crise da habitação na UE na última década ainda que esta atinja de forma distinta os Estados-membros. Apesar de ser competência nacional a dimensão da crise da habitação está a fazer soar alarmes em Bruxelas e a levar o debate para o seio das instituições comunitárias.» – Sábado

Devido à pressão das populações, os governos estão a começar a tomar medidas extremas com o objetivo de ter efeitos a curto prazo, como colocar restrições ao Airbnb.

«Nova Iorque declara guerra ao Airbnb. Quer proibir os arrendamentos de curta duração._ _Milhares de alojamentos na cidade dos Estados Unidos da América estão prestes a ser eliminados da plataforma.
Após um ano de negociações, a Lei Local 18 (Local Law 18) entrou em vigor esta terça-feira, 5 de setembro, e é ainda mais rigorosa do que se previa. Não basta fazer o registo na administração local para poder listar um imóvel na plataforma. A partir de agora, só os anfitriões que moram na cidade é que podem colocar uma casa para arrendar no Airbnb — e têm de estar presentes quando alguém está hospedado. Cada pessoa só poderá ter, no máximo, dois convidados.» – NIT

«Itália está a considerar novas regras à escala nacional enquanto Penang, na Malásia, introduziu recentemente uma proibição.
Da Europa aos EUA, as cidades começaram a impor restrições aos alugueres de curta duração para contrariar a tendência.
Na semana passada, Florença, em Itália, anunciou a proibição de novas listagens do Airbnb e de outros alugueres de férias de curta duração no centro histórico da cidade. O país agora está a contemplar o endurecimento das regras à escala nacional.
Itália não é o único destino a bater o pé. Esta semana, a popular ilha de Penang, na Malásia, proibiu as acomodações ao estilo Airbnb.» – EuroNews

A bolha do turismo está a alimentar a bolha no imobiliário, são duas enormes bolhas em simultâneo. Se a bolha do turismo rebentar, muitos negócios vão fechar, libertando imensas habitações. Além disso, vai gerar muito desemprego, muitos emigrantes vão voltar à sua terra natal, libertando ainda mais casas.

Se isto acontecer, vai provocar um excesso de oferta no mercado imobiliário e devido à crise vai gerar uma baixa na procura. Um choque na oferta, vai provocar uma forte queda do preço das casas, podendo provocar o estouro da bolha do imobiliário.

A crise do turismo poderá ser a primeira pedra do dominó a cair.