Será que o mal existe?
O título deste texto dá-nos uma pergunta retórica, isto é, uma interrogação com uma resposta evidente. Para que não restem dúvidas a resposta evidente seria, um enfático e inequívoco sim. Sim, o mal existe. Contudo, nos dias que correm muitas pessoas aparentam duvidar da existência do mal.
Creio que em verdade não será tanto uma dúvida sincera, porque de facto ninguém consegue sustentar uma visão de mundo sem ter alguma ideia do que é o mal. Penso que será mais uma tentativa de fazer apologética do mal, disfarçada de uma certa ingenuidade. O que quero dizer é que as pessoas que apregoam que o mal não existe sabem perfeitamente que existe, no entanto é conveniente negá-lo para que daí não decorra um julgamento sincero das suas atitudes. A definição objetiva destas coisas pode ser-nos difícil porque implica que nos vejamos de uma forma mais clara e honesta quando usamos de uma medida objetiva.
Ao desviarmos a atenção destes factos, tentamos de alguma forma justificar a nossa corrupção moral. Dizemos adágios populares como: “cada cabeça sua sentença”; isto para esconder um facto incontornável que é a universalidade do mal. Significa isto que o mal quando nasce é para todos, assim como o bem. Não é lógico nem racional defender que a pedofilia é um mal na nossa cultura mas que nas outras culturas não é assim tão mau. Se é um mal é-o naturalmente para a humanidade. Por outro lado defender que as leis morais são exclusivas para um determinado grupo de humanos é concorrer para a ideia de casta social ou diferença na essência do humano.
Um outro esquema que nos leva a considerar que o mal é relativo é o facto de ignorarmos de onde provém a definição de mal. É porventura frequente que imbuídos do espírito da democracia ocidental julguemos que a possível definição de mal vem da convenção social, ou seja, daquilo que a maior parte das pessoas acredita ser o mal. Contudo, facilmente percebemos que não é assim, que a definição de mal não provém de convenção social mas que depende de condições preternaturais. Há uma intemporalidade no mal que não depende da época ou da convenção social.
Penso que a analogia com a física pode ajudar-nos a perceber melhor estas realidades. Não há uma lei da gravidade diferente para a pessoa A e para a pessoa B, a lei é exatamente a mesma no entanto os corpos movem-se a diferentes velocidades e altitudes portanto sentem-na de formas diferentes.
No ramo da psicologia vejo infelizmente um problema sério que se pretende com a excessiva utilização da linguagem terapêutica para falar sobre o mal. É muitíssimo frequente ver uma tentativa de patologizar todos os males. Não negando que o distúrbio psíquico pode estar presente na pessoa que comete um mal, inclusive um mal grave, isso não significa que em muitos casos não haja um assentimento consciente e deliberado da pessoa àquela atitude. Esta linguagem terapêutica levam-nos por vezes a romantizar o mal, e a procurar narrativas que o tornam numa novela sentimental onde a pessoa é sempre rotulada como uma vítima das circunstâncias contextuais, basta vermos o exemplo do marxismo que assim a determina.
Nesta ideologia a pessoa comete crimes porque é pobre e foi vetada a uma exclusão social, como se não fosse possível à pessoa pobre seguir um caminho de retidão moral. O filme Joker ilustra bem este aspeto novelesco da romantização do mal. Neste filme a personagem principal, um psicopata degenerado, é retratado como um doente mental que procura fazer “justiça” assassinando inocentes e destruindo património. Devido à pueril noção de agência, responsabilidade individual, e livre arbítrio o mal é quase tratado como uma caminho único, como se a personagem estivesse predestinada aquele mal.
> Joaquin Phoenix - Joker 2019
São muitos os esquemas á nossa volta que além de dissimularem o mal, tentando indicar a sua inexistência, o promovem como sendo um bem. São muitas as mensagens contraditórias que promovem o exercício da vontade humana como um imperativo moral. São também frequentes as apologias à tolerância e empatia para com o mal. Contudo, isto é absurdidade. Como teremos ordem e paz sem combater os males? Como teremos espaço para a virtude quando tudo estiver tomado pelo mal ? Precisamos de filtrar este ruido para perceber de forma mais objetiva qual é a verdadeira face do mal.