Exultar na monotonia
Quando era criança divertia-me procurar pedras de diferentes formas que me fizessem lembrar diferentes objetos. Eram tempos em que podia passar horas em tarefas aparentemente simples como procurar grilos ou tentar bater o meu recorde de toques na bola sem nunca a deixar cair. Muitos dias se resumiam a isto e apesar da monotonia não eram dias aborrecidos, bem pelo contrário. Eram dias que me pareciam infinitos, como se tivessem mais de 24 horas mas simultaneamente eram dias em que parecia haver sempre algo novo a descobrir e de facto havia mesmo.
Chesterton diz que as crianças conseguem exultar na monotonia, isto é, há um apetite pelo mundo e uma vitalidade nas crianças que lhes permite olhar para a rotina como algo interessante.
Quando estamos por exemplo com um bebé e nos escondemos atrás de um pano para depois deixarmos que a nossa cara apareça subitamente, o famoso "cucu", o bebé se nos conhece habitualmente ri e demonstra satisfação por testemunhar tal acontecimento. Podemos repetir isto várias vezes e vemos que o bebé não se farta com facilidade e continua a rir do que fazemos, como se fosse a primeira vez. De facto, cada vez é única e irrepetível mas o amadurecimento dos sentidos que um adulto experimenta já dificilmente nos permite viver exultando esta monotonia. Rapidamente nos aborrecemos e assim procuramos cessar a tarefa de imediato sempre à procura da próxima. Quando um adulto e uma criança jogam à bola por exemplo a criança repete incessantemente "chuta outra vez", já o adulto pode sentir que a sua energia se esvai a cada remate.
Felizmente há um antídoto mesmo para os adultos mais empedernidos. Mais do que atividades aborrecidas, há pessoas aborrecidas e estas podem encontrar na curiosidade um bálsamo para a vida que enobrece a rotina e monotonia. Quando escolhemos olhar para o mundo de forma curiosa e presente há uma panóplia infinita de potencial e possibilidades que se apresentam diante de nós. Com esta atitude experimentamos uma espontaneidade que abre portas para novos conhecimentos levantando questões sobre o mundo como por exemplo:
Porque é que esta mudança nos acordes da música me deixou os pelos em pé ?
O que tem esta laranja de especial para saber tão bem ?
Não é de admirar que estejamos menos sensíveis a isto, visto que, estamos muito mais sujeitos a um tipo de entretenimento passivo, através do ecrã, que pouco nos predispõe mentalmente para a pura exploração do ambiente que nos rodeia. Quando estamos na natureza por exemplo, afastados do que nos vicia e captura da nossa atenção de forma perniciosa, podemos comungar do espaço que nos envolve, o contexto convida á experiência da novidade mesmo no que já é conhecido. Desta forma estamos mais predispostos a ser verdadeiros observadores do que nos rodeia, mais do que meros recetores de informação. Esta abertura para a afirmação qualitativa da rotina torna-nos pessoas mais interessantes e interessadas pelo mundo que nos rodeia.
Oscar Wilde dizia que as pessoas não valorizam o pôr do sol por este acontecimento não ser pago, no entanto pode dizer-se: não seja como Oscar Wilde, valorize até as coisas rotineiras como um pôr do sol. Lembremo-nos que amanhã podemos não ter pôr do sol e que cada pôr do sol pode ser diferente dependendo da nossa capacidade para exultar nessa monotonia.
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