Protecionismo e China
Recentemente os EUA e a União Europeia anunciaram novas taxas alfandegárias impostas aos produtos importados da China.
“Presidente norte-americano, Joe Biden, anunciou esta terça-feira um aumento das taxas alfandegárias impostas aos produtos importados da China, com o agravamento mais significativo a ser aplicado sobre os veículos elétricos: dos atuais 25% vai para 100%, já a partir deste ano.
Além dos automóveis elétricos, as barreiras comerciais sobre o maior concorrente dos Estados Unidos também aumentam em produtos como o aço e alumínio; baterias e suas componentes e minerais críticos; gruas portuárias; painéis solares; semicondutores; e equipamento de saúde.” – ECO
Na Europa:
“A Comissão Europeia pretende impor novas taxas sobre as importações dos carros elétricos que sejam produzidos no gigante asiático.
O Executivo comunitário pretende aplicar uma taxa adicional, de 21%, em média, sobre as importações de veículos chineses, que se soma à taxa que já está atualmente em vigor, de 10%. O valor adicional pode ir até aos 38%, no caso de fabricantes que não cooperaram com Bruxelas no seu processo de investigação sobre subsídios atribuídos pelo Estado chinês.”_ – ECO
Os países ocidentais estão a acentuar as políticas protecionistas, além disso os EUA estão a endurecer as restrições aos semicondutores contra a China:
“A administração Biden segue reduzindo a gama de semicondutores que as empresas norte-americanas poderão vender à China.
O Departamento de Comércio dos Estados Unidos emitiu novas regras que endurecem as restrições de exportação introduzidas em outubro de 2022.
Para o governo, as medidas são necessárias para eliminar brechas nas regulações impostas no final do ano passado.
As regras atualizadas “aumentarão a eficácia do nosso controle e fecharão ainda mais caminhos para contornar as nossas restrições”, disse a secretária do Comércio dos EUA, Gina Raimondo, num comunicado._
‘Continuaremos a trabalhar para proteger a nossa segurança nacional, restringindo o acesso a tecnologias críticas, aplicando vigilantemente as nossas regras, ao mesmo tempo que minimizamos qualquer impacto não intencional nos fluxos comerciais.’
Chips avançados de inteligência artificial (IA), como os produtos H800 e A800 da Nvidia, serão afetados, de acordo com um documento regulatório da empresa norte-americana.
Além da China e Macau, os regulamentos também expandem as restrições às exportações para outros 21 países com os quais os Estados Unidos mantêm um embargo de armas, incluindo o Irã e a Rússia.” – CNN Brasil
Crise
Atualmente a China está com uma grave crise, com um excesso de endividamento a nível público, como no privado. Ao contrário das duas grandes potências do ocidente, a China tem tido uma política muito comedida na desvalorização da sua própria moeda, ela tem acontecido, mas gradualmente. Nada se compara com as políticas dos EUA e da UE, que têm utilizado uma política altamente expansionista para combater as crises desde 2008.
Este gráfico demonstra bem a diferença:
Em 15 anos a China aumentou o balance sheet do banco central em 133%, o BCE aumentou em 359% e o FED aumentou 703%. Os EUA chegaram aos 900%, é um valor completamente absurdo, os estados estão a abusar do quantitative easing (QE). No final de 2022, tanto o FED e o BCE começaram a reduzir, mas ainda está muito acima dos valores pré-covid.
Onde está o problema?
Devido à Teoria dos jogos, a China nunca tentou invadir a Taiwan, porque tinha mais a perder do que a ganhar. Se houvesse uma guerra entre os dois, o mundo ficaria com um grave problema devido à falta de semicondutores, sobretudo os de última geração. Mas a China também ficaria sem essa tecnologia, além disso iria sofrer sanções do mundo ocidental, os seus produtos ficariam impedidos de entrar nesses mercados. A China iria sofrer sanções semelhantes à que a Rússia está a ter devido à Guerra na Ucrânia. Os impactos económicos e políticos desta guerra é case study para a China, deve estar a analisar ao milímetros, a criar alternativas, projetar meios de defesa, caso lhe aconteça algo similar.
Nos últimos anos a China tem reduzido imenso a exposição aos títulos do tesouro dos EUA, a China chegou a ser o maior detentor de dívida. Agora a China está a optar pela compra de ouro. Ao mesmo tempo, a China e a Rússia estão a tentar desenvolver uma alternativa ao dólar para o comércio internacional e também aumentar os laços económicos com os países aliados, especialmente dos BRICS. Além disso, tem investido biliões no desenvolvimento da sua própria indústria de semicondutores. Nos últimos anos as políticas da China têm sido focadas em diminuir a dependência do ocidente e de Taiwan, preferindo aliar-se aos países emergentes, grandes potências mas pouco democráticos, à sua semelhança.
No outro lado, os EUA também estão a diminuir a exposição à economia chinesa, estão a trocar as fábricas e mão-de-obra chinesa por mexicana, o México está a tornar-se um parceiro estratégico.
Enquanto isso, a União Europeia assobia para o lado, apenas observa. Quando acordar será tarde demais, os líderes europeus não aprenderam nada com a pandemia, a Europa está fortemente dependente da indústria chinesa.
Se a única opção para combater a crise na China for o QE, além da desvalorização imensa da sua moeda, vai gerar uma enorme reação em cascata. Os seus produtos vão ficar extremamente baratos, a China vai inundar os mercados ocidentais com produtos, para combater isso os ocidentais vão endurecer as políticas de protecionismo.
Se a China ficar sem acesso aos mercados ocidentais devido ao aumentos das políticas protecionistas do ocidente, essas mesmas políticas já estão a impedir o acesso aos semicondutores. Assim vai existir uma inversão na Teoria dos jogos, como a China já não tem mais nada a perder, já perdeu tudo o que tinha a perder, é uma passadeira vermelha para invadir Taiwan. Se todas as sanções possíveis já estão a ser aplicadas à China ainda antes da invasão a Taiwan, em caso de uma invasão, o ocidente não terá nenhuma “arma” poderosa para retaliar. Essa possível invasão afetaria sobretudo o ocidente que ficaria sem a tecnologia de Taiwan. Não sendo possível aplicar mais sanções, restando apenas confronto direto entre a China e o Ocidente.
A guerra da Ucrânia tem demonstrado que as sanções já não tem tanta eficácia, o mundo está muito globalizado e muito interconectado, existem cada vez mais meios de contornar. A UE deixou de comprar produtos fósseis à Rússia, agora está a receber da China ou da Índia, ou seja, é o mesmo produto, só que agora existe um intermédio. Chegamos ao ridículo de existir o transhipping em alto mar, ao largo de Portugal, onde os produtos são movidos de um navio de pavilhão russo para um outro navio de um país não sancionado. Algumas horas depois ou no dia seguinte o mesmo navio atraca em Portugal ou em outro porto europeu. Todos os líderes europeus sabem que isto acontece, não fazem nada para mudar, apenas fecham os olhos, são cúmplices.
Outro caso vergonhoso é demonstrado por este gráfico, os países europeus estão proibidos de exportar produtos para a Rússia, mas continuam a fazê-lo através de um intermediário. É tão ridículo, é à europeia, criam uma lei e ao mesmo tempo criam uma maneira de contornar essa lei que acabaram de criar. É uma lei cartaz, é só o viver das aparências. É a hipocrisia europeia, querer demonstrar ao mundo que eles são o exemplo, mas depois faz o contrário. É façam aquilo que eu digo, mas não façam aquilo que eu faço.
Neste caso o intermediário é o Quirguistão, mas existem inúmeros países a fazer o mesmo. É bem notório nos gráficos, após o início da guerra da Ucrânia as exportações subiram exponencialmente para o Quirguistão, mas é claro que o destino final dos produtos é a Rússia.
Com uma poderosa indústria e com produtos de baixo custo, facilmente a China vai arranjar intermediários. Em último caso usam a tática da VolksWagen, onde uma fábrica portuguesa constrói 99% do carro, mas como não está terminado é exportado como produto inacabado, para a Alemanha. Depois na Alemanha é só colocar a etiqueta “made in Germany” e o carro fica finalizado, pronto para exportação. Neste caso a VW utiliza este subterfúgio para fugir a impostos, os impostos da Alemanha são muito mais baixos que os de Portugal, mas a China pode usar para contornar as sanções.
Conclusão
Se a crise acentuar-se na China nos próximos tempos e se a única solução for uma forte desvalorização da moeda, vai provocar uma reação em cascata na economia mundial. Se escalar muito, o problema não será só económico, irá muito além disso.
Mas isto são muitos “ses”, é apenas uma hipótese muito remota e esperemos que não conheça, pelo bem de todos nós.