Bitcoin e os Estados
Eu sempre fui um grande defensor que o Bitcoin deve crescer de baixo para cima e nunca de cima para baixo, ou seja, a utilização/aceitação deve acontecer primeiro entre as pessoas e a aceitação pelos estados será por último. Porque só assim o crescimento será sustentado, as pessoas primeiro tem que perceber como funciona e a sua adesão nunca deve ser por imposição mas sim por necessidade.
As moedas FIAT é que circulam por imposição, a adesão ao Bitcoin acontece porque as pessoas reconhecem a superioridade, a lei de Gresham.
El Salvador
El Salvador foi o primeiro país do mundo a incluir o Bitcoin como legal tender, passaram quase 2 anos, eu considero que foi um sucesso.
Fazendo um balanço destes dois anos, foi bom para os dois lados: foi bom para o Bitcoin e especialmente para a Lightning Network, que melhorou imenso, muitas empresas e serviços foram criados/desenvolvidos. É verdade que houve alguns problemas no início, são as chamadas dores de crescimento. Todo o ecossistema tecnologicamente melhorou, foi um excelente “teste” em escala, mas ainda está longe de ter capacidade para uma escala global. O caminho faz-se caminhando, novas ideias já estão a ser implementadas e muitas outras irão surgir.
Para a comunidade mundial de bitcoiners também foi muito importante, aquela ideia teórica tornou-se real, El Salvador é sinónimo de esperança.
Para El Salvador também foi bom, apesar da adoção pela população ainda ser baixa, permitiu ao país ser falado a nível mundial e o presidente foi muito inteligente, cavalgou a onda, os níveis de turismo cresceu exponencialmente, resultou numa excelente política de marketing. O presidente também aprovou diversas leis para beneficiar as empresas deste universo, aquele objetivo de tornar El Salvador, como a Singapura do mundo Bitcoin está cada vez mais próximo.
Na época, quando foi anunciado como legal tender, eu tinha convicção que a adoção seria mais rápida, mas foi erro de avaliação da minha parte, sobretudo pela minha falta de conhecimento sobre El Salvador. Depois de conhecer mais sobre a economia e sociedade de El Salvador, percebe-se o porquê da adoção ainda é baixa. Analisando bem, ainda bem que a adoção foi baixa, El Salvador aprovou a lei pouco antes do topo máximo, depois foi um ano sempre com o preço em queda. Isto permitiu “dar um calo” à população, aprender mais sobre o bitcoin. Todos os bitcoiners necessitam de passar por um inverno cripto para provar a nossa convicção sobre Bitcoin, é muito duro, mas dá a experiência e o conhecimento para ultrapassar mais facilmente os próximos ciclos.
É esta volatilidade que justifica a baixa adoção, neste momento quem compra Bitcoin deve pensar como uma poupança de médio a longo prazo, poderá ser necessário esperar até 2 a 4 anos para que o preço recupere. Mas isto não é viável em El Salvador, onde parte significativa da população é pobre e o que ganha hoje é para comprar comida no dia seguinte. Para mim não faz diferença o bitcoin perder 5% num dia, porque eu sei que daqui uma semana ou um mês recupera, mas para um salvadorenho, esse 5% pode significar, ter ou não ter comida no prato.
Para complicar ainda mais a adoção, em El Salvador a outra moeda oficial é o dólar, a moeda FIAT menos fraca, a que sofre menos volatilidade. Para os países que têm como moeda oficial o Dólar ou Euro, neste momento devido à volatilidade, o Bitcoin tem que ser visto como uma poupança, uma reserva de valor de médio/longo prazo. Agora em países com moedas mais fracas e com altas inflações, podem olhar para o bitcoin como uma poupança num prazo mais curto. Este dois anos permitiu os salvadorenhos perceberem o que é o Bitcoin, já estão mais conscientes para tomar boas decisões no próximo ciclo.
Apesar das minhas discordâncias a nível político com o presidente, Nayib Bukele, tenho que reconhecer que ele é um grande bitcoiner, ele tem feito tudo em prol do btc. Ele não criou só uma lei, ele foi além disso, criou condições em El Salvador para o Bitcoin proliferar. As condições que ele criou, nenhum outro país vai o fazer, não tenho a menor dúvida disso e mesmo com todas essas condições, a adoção é baixa, isto só prova que a adoção deve partir de baixo e nunca por cima.
Apesar de todos os bitcoiners esperarem uma adoção rápida, mas isso nunca vai acontecer, vai ser lenta e vai demorar pelo menos uma geração.
Se queremos adoção, temos que ser proativos, utilizar com o nosso vizinho, no comércio local, na economia circular e nunca ficar à espera que um governo faça esse trabalho por nós.
Moeda
Eu não acredito que no futuro, algum país aprove o bitcoin como único legal tender, no máximo poderá acontecer um duplo legal tender, mas sempre em países de pequena dimensão, semelhante a El Salvador. Dificilmente algum país de média/grande dimensão, vai aceitar perder o poder da política monetária e talvez seja o melhor para o Bitcoin.
A meu ver, Bitcoin não necessita de ser legal tender, o importante é os países aceitarem o Bitcoin como uma moeda, sem limitações ou privilégios, apenas a livre circulação. Dar ao povo a liberdade de escolha.
Reservas
Os EUA ao bloquearem/congelaram as reservas russas (na guerra da Ucrânia), usaram a moeda como uma arma, foi uma jogada suicida e o estímulo necessário para o mundo mudar. O Dólar e bonds que estão espalhados e impregnados em toda a economia mundial, o congelamento criou medo e desconfiança nos estados, pensam logo: “Hoje fizeram aos russo, amanhã poderá ser a nós”.
Estamos a iniciar uma nova era, o mundo está a separar-se em dois grandes blocos económicos e onde existe desconfiança generalizada entre os estados, vão necessitar de uma moeda de confiança, baseada na matemática, sem influência humana e especialmente, que não seja controlada por um estado
Querendo ou não, os estados vão necessitar de Bitcoin, não necessita de ser legal tender mas vão ter que usar, será inevitável, ainda nesta década vão fazer reservas de bitcoin.
Atualmente, oficialmente só El Salvador tem reservas de Bitcoin, a Ucrânia recebeu uma grande quantidade em doações, mas é público que a China e os EUA são dos maiores detentores mas estes não compraram mas sim apreenderam.
Eu acredito que já existem vários países a criar reservas mas não o anunciam publicamente e possivelmente vai levar muitos anos até ao anúncio oficial. Se pensarmos bem, seria estúpido os estados não comprarem um pouco de Bitcoin, porque o investimento agora é baixo, logo a margem de erro é baixo, mas terá um custo elevadissimo se o Bitcoin vingar e o estado não ter nenhum. Os estados correm mais riscos em não ter, do que ter.
Mas não existe nenhum benefício em anunciar que tem reservas de Bitcoin, porque poderia levar a uma corrida das populações e o principal prejudicado seria as próprias moedas FIAT, quanto mais btc nas mãos dos estados, menos existe em circulação para o povo.
Além de criar reservas, também será inevitável a utilização de Bitcoin por tarde dos estados e de grandes empresas no comércio internacional. As reservas até poderão esconder das populações, mas no comércio internacional não poderão esconder e aí inicia uma nova corrida ao “ouro”…
Guerra da Liberdade
O conflito entre o mundo cripto e os estados já começou há algum tempo, mas tem-se acentuado imenso nos últimos tempos. Esta guerra até ao momento, os governos limita-se a criar regulamentações ou proibições para o uso de criptoativos.
Nos EUA tem sido ainda mais severa, a chamada operação “Choke Point 2.0”, primeiro as autoridades encerraram bancos para cortar as rampas de acesso às Exchanges… mas como não resultou agora estão a atacar directamente as Exchanges e os donos, a SEC está a processar as exchanges por terem securities não registadas.
Estas legislações podem afastar as empresas do país, podem ferir mas não matam e após cada batalha a comunidade sai ainda mais forte.
Este ataque afeta essencialmente as “cripto”, o Bitcoin ficou à margem, provou a sua resiliência contra as autoridades e que a descentralização é essencial. Bitcoin é uma commodities, as restantes são securities.
O clímax desta guerra ainda está por vir, as CBDCs estão para muito breve, será muito além de uma guerra monetária, é uma guerra pela liberdade, ética e contra a escravidão.
Com a introdução das CBDCs, quase de certeza vão atacar as stablecoins, como estas têm títulos de tesouro como reserva, são um alvo fácil para as autoridades norte-americanas, mesmo que estejam sediadas em outros países.
O curioso é que os políticos estão a criar as CBDCs para combater o Bitcoin, mas terá o efeito contrário, vai provocar a aceleração da adoção do Bitcoin, o tiro vai sair pela culatra.
Sequestro
A forte regulamentação pode levar à diminuição da auto-custódia e a centralização da custódia de Bitcoin por instituições controladas diretamente ou indiretamente pelos estados.
O cenário é baixo, mas os estados poderiam fazer um ataque coordenado, tendo o controlo da maior parte dos Bitcoin poderiam fazer um hardfork na rede. Primeiro, para acontecer este ataque de sequestro, os estados, além de necessitarem da posse da maioria dos Bitcoins, tem de estar coordenados, isso é mais difícil num mundo polarizado, por muito me custe dizer, é importante os estados não G7 terem algum Bitcoin.
O ideal seria que toda a gente tivesse auto-custódia, mas isso não vai acontecer, infelizmente. Os ETF são um perigo, são um pau de dois bicos, vai permitir a massificação do Bitcoin, mas por outro lado, vai centralizar em empresas que estão sob controlo dos estados. Além de tornar o bitcoin apenas como uma reserva de valor, perdendo um pouco a sua essência de moeda, como meio de troca.
A utilização do Bitcoim como moeda de troca, nas compras do dia-a-dia, na economia circular, é muito essencial. Faz que a moeda circule, tornando muito simples a sua aquisição, sem a necessidade de utilizar casas de corretagem, bancos ou outras empresas centralizadas, o verdadeiro p2p.
Também será importante que empresas que fazem a custódia utilizem sistemas mais resilientes a pressões políticas/externas. Possivelmente a utilização de multisig e a posse dessas seeds, estar distribuídas por várias jurisdições.
Assim, para evitar um ataque de sequestro, o Bitcoin tem que ser disperso por 4 blocos, auto-custódia, países G7, países BRICS e países neutros, como o controlo fica muito dividido, não existe hegemonia de uma parte, um possível hardfork teria um efeito reduzido na rede.
Nova Guerra Fria
A Guerra do Hashrate pode ser um conflito futuro, mas no presente estamos a viver/sentir uma nova guerra fria. Com a divisão do mundo em dois blocos políticos, económicos e monetários, de um lado o G7 (liderado pelos EUA), do outro lado o BRICS (liderado pela China). O principal objectivo dos BRICS é diminuírem a dependência do dólar, a desdolarização, que dá uma vantagem, um poder desmedido aos EUA, em relação às restantes economias.
O cerne da questão é, que moeda vão utilizar os BRICS?
A meu ver, a única coisa certa é, se a solução escolhida for moeda única não terá circulação livre nos países, será apenas utilizada para transações internacionais, de resto é só incertezas.
Será o Renminbi? Talvez, nem a China o quererá, o seu crescimento depende muito das exportações, que são favorecidas com as constantes desvalorização da moeda. E Brasil e Rússia não vão querer sair da dependência dos EUA para ficarem na dependência da China.
Será que vão utilizar o ouro? Como farão as transações? A velocidade da economia e do mundo em que vivemos agora, não permite ficar à espera de barcos ou aviões a transportar ouro e os custos desta operação são incomportáveis.
Será que vão utilizar uma moeda lastreada em ouro? Quem fará a custódia do ouro, será que os países terão confiança cega no custodiante.
Será o bitcoin? Não acredito, ainda é demasiado cedo, não tem liquidez e o preço ainda é muito volátil.
Será que fazer um cabaz de moedas? Tipo SDR do FMI? Provavelmente será esta a solução. Mas também seria uma ideia muito interessante ser um cabaz de commodities, porque estes países são grandes produtores de petróleo, gás natural, cereais, soja, minérios e muitos outros.
Eu tenho demasiadas dúvidas, não consigo chegar a uma conclusão…
Mas a única coisa certa, é que os BRICS vão reduzir a utilização do dólar. Numa fase inicial, vão utilizar a moeda comum apenas entre os membros.
Se o projeto for bem sucedido e ganhar dimensão, vão querer chocar de frente com o dólar, vão pretender que as suas exportações de produtos para os G7 sejam feitas com a sua moeda comum.
Isto será um ponto crítico, neste duelo de titãs, o Bitcoin pode emergir, porque é a única moeda neutra do mundo e apolitica. Neste futuro, o Bitcoin terá muito mais liquidez e será menos volátil e poderá ocupar o lugar da moeda no comércio internacional.
Segurança
O ataque do SEC às Exchanges, na qual resultou uma queda de preço, prova que ainda é cedo para o uso generalizado do Bitcoin como moeda de comércio internacional. O Bitcoin ainda está muito permeável a má notícia, necessita de ser mais robusto e resiliente, para que nenhum estado utilize o Bitcoin para atacar outro estado. Um ataque similar, ao dos EUA, poderia provocar uma grave crise financeira num país que tivesse uma economia muito exposta ao Bitcoin.
Enquanto não existir uma estabilidade regulatória nas principais economias, a adoção será lenta, as empresas até podem receber em Bitcoin mas não vão fazer grandes reservas, vão rapidamente converter em alguma moeda FIAT. Mas é apenas uma questão de tempo, vai chegar um momento onde quase todas as economias estão expostas ao Bitcoin, uma mais que outras. Se um estado fizer ataque, esse ataque afetará o inimigo mas também terá fortes consequências internas, por esse motivo, este ataque deixa de ter visibilidade.
POW
A corrida à mineração (POW) a nível estatal já começou, mas ainda está no início, os primeiros a reconhecer oficialmente foram o Reino do Butão e El Salvador. Mas de forma não oficial, é sabido que o Irão anda a minerar há alguns anos e agora é a Rússia.
Numa fase inicial, o POW será para criar reservas de btc, mas num futuro a médio/longo prazo os países vão minerar apenas para defender as suas reservas, a sua própria soberania.
Imaginemos num futuro hipotético, onde parte dos países têm reservas de btc e parte do comércio internacional é em btc. Por alguma razão poderia acontecer algo similar ao embargo da Rússia ao SWIFT, mas na blockchain do Bitcoin. Na teoria, todos os mineradores poderiam bloquear as transações da Rússia, ficaria impedida de fazer transações. Assim, será imperativo à Rússia minerar, para adicionar blocos à rede com as suas transações, pelo menos para garantir que as suas transações não sejam censuradas pelos inimigos. O mesmo vai acontecer com todos os estados com grandes reservas de btc, vão minerar para garantir a sua soberania, tornando a rede ainda mais segura e mais descentralizada.
Assim, nesse futuro hipotético, onde as pool são países ou grupos de países, será muito importante existir pelo menos uma pool independente e apolítico, que adicione blocos regularmente.
Isto tornaria o Bitcoin como uma arma e como numa guerra vale quase tudo, aqui os soldados são os ASIC. Os países fabricantes poderão ter uma vantagem considerável, podem proibir a exportação de equipamentos ou exportar apenas equipamentos menos avançados. Isto vai permitir o desenvolver melhores equipamentos para poupar mais energia ou aumentar a capacidade de hashrate.
Será a guerra do Hashrate.