O Cérebro Humano vs. Números Grandes: Porque é Difícil Compreender o Bitcoin

O Cérebro Humano vs. Números Grandes: Porque é Difícil Compreender o Bitcoin

Os humanos evoluíram para contar maçãs, não estrelas. Estamos programados para compreender números pequenos e tangíveis com facilidade, mas, no momento em que atingimos centenas ou milhares, os nossos cérebros começam a ter dificuldades. Esta limitação desempenha um papel significativo na fricção que as pessoas sentem ao tentar compreender Bitcoin, desde os seus fundamentos de segurança até ao seu sistema monetário.

A natureza abstracta de Bitcoin é construída sobre conceitos matemáticos complexos, incluindo criptografia e números grandes. No entanto, estes elementos podem ser esmagadores para muitos potenciais utilizadores, investidores e até especialistas. Neste artigo, vamos explorar porque é que os humanos têm dificuldade com números grandes e como esta limitação afecta a nossa compreensão de Bitcoin.


Porque é que os humanos têm dificuldade com números grandes

O nosso cérebro está programado para pensar de forma linear e processar números pequenos com facilidade. No entanto, quando se trata de números grandes, tudo começa a parecer confuso. Limitações evolutivas significam que fomos desenvolvidos para contar maçãs, não estrelas. Para além de algumas dezenas, os números começam a parecer "muitos" em vez de quantidades específicas.

Por exemplo, considere o número de chaves privadas possíveis em Bitcoin. Com 256 bits usados para encriptação, isto traduz-se em aproximadamente $$2^{256}$$ chaves únicas. Embora este número seja impressionante, a maioria das pessoas tem dificuldade em compreender a sua enormidade. Para colocar em perspectiva:

  • Existem mais átomos no universo observável do que grãos de areia em todas as praias da Terra.

Além disso, o nosso cérebro frequentemente luta para entender fenómenos exponenciais, que desempenham um papel crucial no sucesso de Bitcoin. O crescimento da população mundial ou o número de hashes efectuados por segundo pelos mineradores de Bitcoin podem parecer incompreensíveis devido à sua natureza rápida.

Finalmente, a falta de pontos de referência do dia a dia dificulta a compreensão de conceitos complexos como chaves privadas e hashrate. Por exemplo, dizer "100 biliões" pode significar algo para si, mas decompor isso em números mais pequenos e manejáveis é uma história completamente diferente.


A História do Tabuleiro de Xadrez e o Grão de Arroz - uma pequena explicação didáctica sobre exponenciais.

Certa vez, um matemático indiano inventou o jogo de xadrez e apresentou-o ao rei local (frequentemente chamado de Maharaja). O rei ficou tão impressionado com o jogo que ofereceu recompensar o matemático com qualquer coisa que ele desejasse.

O matemático humildemente pediu um único grão de arroz para ser colocado na primeira casa do tabuleiro de xadrez, e que a quantidade de arroz fosse duplicada em cada casa seguinte. O rei, pensando que este era um pedido modesto, concordou imediatamente.

O processo começou:

  • 1 grão na primeira casa,
  • 2 grãos na segunda,
  • 4 grãos na terceira,
  • 8 grãos na quarta, e assim por diante.

Mas, à medida que avançavam, os números começaram a crescer rapidamente. Na 20.ª casa, já eram necessários mais de 1 milhão de grãos de arroz. Na 40.ª casa, o total ultrapassava 1 bilião de grãos. Na 64.ª e última casa, o total era um espantoso 18 quintiliões de grãos de arroz ($$2^{64} - 1$$).

Esta quantidade era tão vasta que exigiria mais arroz do que poderia ser cultivado na Terra naquela época. O rei, ao perceber que subestimara o pedido do matemático, foi forçado a admitir derrota ou, em algumas versões da história, puniu o matemático pela sua astúcia.


Bitcoin e Números Grandes: A Tecnologia Incompreendida

A complexidade de Bitcoin reside na sua dependência de criptografia e números imensos. Vamos explorar três áreas chave onde estes conceitos podem criar atrito.

A Segurança Incompreensível das Chaves Privadas

A segurança de Bitcoin assenta na escala absoluta do seu espaço de chaves privadas. Existem $$2^{256}$$ chaves possíveis — um número tão grande que tentar adivinhar uma chave não é apenas improvável, é praticamente impossível. É como se lhe pedisse para adivinhar o número em que estou a pensar entre 1 e 115792089237316195423570985008687907853269984665640564039457584007913129639936!

Para colocar isto em perspectiva:

  • Imagine que existem mais estrelas no universo observável do que grãos de areia nas praias da Terra. Mesmo que combinasse todos os grãos de areia e estrelas, o número resultante ainda seria inferior a ```$$2^{256}$$```.

Esta escala impressionante garante a robustez da segurança criptográfica de Bitcoin, mas pode parecer esmagadora para os recém-chegados.

O Hashrate de 1 Zettahash/s

Recentemente, a mineração de Bitcoin ultrapassou a marca de 1 zettahash por segundo ($$10^{21}$$ hashes por segundo). Esta medida de poder computacional destaca a escala imensa da segurança da rede.

Para ilustrar:

  • Imagine tentar adivinhar um número biliões de vezes por segundo, por pessoa, para todos os humanos na Terra. Mesmo com todo este esforço combinado, mal arranharíamos a superfície do actual hashrate de Bitcoin.

Este poder computacional imenso é o que garante que, uma vez adicionada uma transacção à timechain (ou blockchain se preferir) de Bitcoin, seja praticamente impossível alterá-la.

A Barreira da Criptografia

A criptografia de curva elíptica, ECC, um elemento chave em Bitcoin, utiliza matemática avançada que pode parecer abstracta para não especialistas. Baseia-se em "funções unidireccionais," onde gerar uma chave pública a partir de uma chave privada é fácil, mas reverter o processo é quase impossível.

O recente medo da computação quântica (apenas FUD), mostra bem esta segurança na matemática. O Willow, o computador da quântico da Google, com 105 qubits, resolveu um problema de benchmark em 5 minutos, que levaria a um super computador 10 septiliões de anos a resolver (mais tempo que a idade do universo, 13.8 mil milhões de anos).

Para conseguir encontrar a chave privada a partir de uma chave publica, seriam necessários cerca de 124000 Willows para o fazer em 1 dia, ou cerca de 340 para o fazer em 1 ano. E mesmo assim, apenas os endereços mais antigos, P2PK (Pay to Public Key) estariam vulneráveis, os endereços P2PKH (Pay to Public Key Hash) tem mais um nível de segurança, o hash.

O Willow teria que ter milhões ou milhares de milhões de qubits para conseguir descobrir uma chave privada a partir da chave publica. Não temos ainda tecnologia para isso...

Para simplificar:

  • Pense nisso como uma fechadura que só pode ser aberta com uma chave única. Uma vez trancada, o processo é irreversível sem essa chave, proporcionando uma segurança incomparável.

O Obstáculo Psicológico: Viés de Unidade

Além dos aspectos técnicos, a psicologia desempenha um papel importante na forma como as pessoas percebem o valor, ou melhor o preço, de bitcoin. O viés da unidade — a tendência de preferir números inteiros — pode criar uma barreira emocional.

O Problema do "Preço Alto" de bitcoin

Ver o preço de bitcoin em dezenas (centenas?) de milhares de euros pode dissuadir potenciais investidores, que podem sentir que é demasiado caro ou inacessível. Esta percepção persiste, embora bitcoin possa ser dividido em unidades mais pequenas.

Satoshis como Solução

A menor unidade de bitcoin, o satoshi (1/100.000.000 BTC), oferece uma solução para este viés. Apresentar bitcoin em termos de satoshis permite pontos de preço mais compreensíveis. Por exemplo:

  • "1.000 sats custam €1,00" soa muito mais acessível do que "€100.000 por bitcoin."

O uso de satoshis reformula o valor de bitcoin, facilitando a sua compreensão e acessibilidade. E sim, pode comprar €1,00 de bitcoin, ou até mesmo menos de €0,01!


Conclusão

A dificuldade com números grandes não é única de Bitcoin, mas a sua natureza digital e abstracta amplifica o desafio. Desde a escala incompreensível das chaves privadas até à enorme hashrate e ao obstáculo psicológico do viés de unidade, estas barreiras podem dificultar a compreensão e adopção.

No entanto, ao:

  1. Simplificar conceitos criptográficos,
  2. Usar analogias compreensíveis, e
  3. Promover os satoshis como unidade padrão,

podemos tornar Bitcoin mais acessível para a pessoa comum. Assim como a sociedade aprendeu a abraçar a electricidade sem precisar entender os electrões, também podemos abraçar Bitcoin sem compreender completamente cada número por trás dele.

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Photo by Greg Rakozy on Unsplash