Rejeite o Escolasticismo Reformado
Herman Dooyewerd percebeu o problema do Calvinismo Clássico que assombra os teólogos reformados até hoje. Mas não só ele, Lutero, Jonathan Edwards, Cornelius Van Til, Gordon Clark, Vincent Cheung e muitos outros alertaram sobre o problema do Tomismo no meio Reformado.
Um amigo pessoal meu, cujo tive a honra der ter seu livro autografado, escreveu detalhadamente sobre essa questão:
"Segundo Dooyeweerd (2015, p. 130), a partir do crescimento e expansão do cristianismo logo nos primeiros séculos, por meio da pregação do evangelho para todos os povos, não demorou para que este tivesse sua unidade indivisível ameaçada pela grande pluralidade de crenças existentes. Uma dessas grandes influências heréticas se deu através do mundo de pensamento grego helenístico, os ensinos oriundos do motivo matéria-forma representavam, assim, um verdadeiro perigo aos ideais cristãos originais.
Ainda que uma enorme batalha doutrinária tenha sido travada pelos pais da igreja com o propósito de conservar a mensagem evangelistica pura, a teologia crista era confrontada diariamente com os problemas filosóficos de suas épocas que exigiam soluções. Dessa forma, por causa de suas fontes educacionais provenientes do modo de pensar grego, especialmente em relação à própria filosofia, esses cristãos buscaram adaptar tais concepções e elementos pagãos à religião cristã ao invés de se livrar deles.
O problema primordial advindo dessa realidade foi que não conseguiram perceber que o modo de pensar grego estava completamente submerso em um motivo religioso não cristão. Em razão de seu caráter radical e integral, o motivo-base cristão requer uma reformulação ou reforma interna total da ordem do mundo e da sus relação com os seres humanos, porém o que acontecen na prática, foi sem dúvida, não uma reforma integral, mas uma acomodação grega à Sagrada Escritura
Desta feita, surge o segundo motivo religioso básico, o motivo da natureza e da graça sobrenatural, o qual se originou da tentativa explicita de acomodação, ou sintese entre o motivo grego matéria-forma com o motivo cristão da criação, queda e redenção. As influências dessa nova força motriz obtiveram sua maior expressão na filosofiae teologia do grande estudioso medieval Tomás de Aquino (1225-1274), moldando e permeando a doutrins da Igreja Católica Romana até os dias de hoje (DOOYEWEERD, 2013b, p. 29). Passemos a analisar mais de perto o núcleo de tal tentativa sintética.
Para o filósofo de Amsterdã (2012c, p. 16), o motivo religioso grego, em sua característica dualista e dialética, exclui o motivo bíblico da criação. A partir da reconciliação proposta pela filosofia escolástica, há a acomodação da visão aristotélica da natureza (physis) das coisas doutrina bíblica da natureza da realidade criada, a qual por sua vez é baseada na ordem divina da criação.
A doutrina católica aduz que, durante a criação, o dom sobrenatural da graça foi concedido à natureza humana, tida como uma natureza racional. Assim, pela influência de Aristóteles, o indivíduo é visto como um ser composto por uma alma imortal e racional (anima rationalis), sua forma substancial; e por um corpo material perecível. Porém, mesmo que, devido aos efeitos trazidos pela queda original, ocorra a perda de tal dom sobrenatural, a queda não corrompe a natureza humana em si, não há, então, o sentido radical da queda no pecado enquanto uma depravação total do ser humano. A vontade humana estava caída, mas não seu intelecto.
Ou seja, segundo Dooyeweerd (2012a, p. 62), para os escolásticos, uma vez que a queda humana no pecado não corrompeu sua natureza, mas apenas a privou do dom sobrenatural da graça (donum superadditum), é possível para o intelecto humano conhecer e se aproximar de Deus pelas suas próprias forças.
Como consequência imediata desta concepção, Dooyeweerd (2013b, p. 29) menciona que não resta mais nenhuma possibilidade disponível para um acerca da verdadeira essência do homem, isto é, sua insight real acerca da verdadeira essência do homem, isto é, sua disposição religiosa central. O que resulta, por sua vez, em uma distinção entre duas esferas, a esfera natural ea esfera da graça, ou sobrenatural de pensamento e ação. Sendo que, a primeira é, ainda que subordinada, vista como uma espécie de preparação autônoma em relação à segunda. A graça e posta acima da natureza como um estágio superior de perfeição (DOOYEWEERD, 2012a, p. 62).
Kalsbeek (2015, p. 125) retrata que ao primeiro andar, o nivel da natureza, foi atribuído a vida natural, ou seja: o Estado; a familia; a academia; a tecnologia; a arte; os negócios; e o comércio. Francis Schaeffer (2002, p. 21), filósofo cristão americano do século XX, acrescenta que da parte inferior do dualismo, pode-se encontrar a criação; a terra e as coisas que dela pertencem; o material; e o visível. A razão poderia funcionar, assim, à parte da revelação divina, cabendo ao intelecto humano descobrir as verdades naturais por si mesmo (DOOYEWEERD, 2010, p. 96).
O andar superior, por sua vez, o nível da graça, não interfere no andar de baixo, mas o complementa e o aperfeiçoa (gratia naturam non tollit, sed perficit). Na esfera da graça, estão: a igreja; a revelação divina; a teologia; os sacramentos; e as coisas celestiais. Para Dooyeweerd (2013b, p. 30), a grande síntese que Tomás de Aquino almejou proporcionar, partindo de uma harmonia necessária entre a razão natural e as verdades sobrenaturais da igreja fez com que a primeira não pudesse contradizer a última. Dessa forma, até mesmo a filosofia, enquanto pertencente do andar de baixo, estava à serviço da teologia, enquanto locada no andar das verdades sobrenaturais, não existindo, portanto, uma filosofia cristã.
O filósofo de Amsterdã (2012a, p. 62), nesse sentido, ressalta que tal motivo-base da natureza e graça, devido ao seu caráter dialético intrínseco, produz, assim como o motivo grego da matéria-forma, uma típica tensão entre seus polos. Primordialmente, o pensamento cristão estava sendo conduzido em direção paga perigosa pelo motivo da natureza, e, posteriormente, foi conduzido em um sentido não menos perigoso de igualar a natureza com o sentido de pecado, buscado, desta feita, escapar da natureza por meio de uma experiência mística voltada para a graça sobrenatural.
A consequência dessa tensão polar foi obtida a partir do século XIV com o escolasticismo tardio de orientação nominalista representado por Guilherme de Ockham. Tal movimento passa a negar qualquer conexão entre o conhecimento natural e o sobrenatural, proporcionando, assim, dois caminhos bem distintos entre natureza e graça, negando para o intelecto humano a capacidade de conhecer o segundo andar, e, logo, rejeitando certos termos da esfera da graça.
Para Dooyeweerd (2013b, p. 30), esse foi o começo de uma secularização definitiva dada a primazia do motivo da natureza. Segundo Schaeffer (2002, p. 25), o princípio vital a ser notado é que ao passar do tempo, a natureza é vista, cada vez mais, de forma autônoma e independente, representando, na prática, que a natureza passa a tragar a graça, abrindo as portas para o humanismo secular modemo."
(Filosofia e Teologia Reformada: Perspectivas Cristãs à luz do Pensamento e Vida de Herman Dooyeweerd - Leonardo Balena Queiroz. São Paulo. 2020. fonte Editorial).